Decisões de tribunais levam em conta regras para sucessão de herdeiros e os responsabilizam pelas dívidas deixadas pelos parentes mortos
Credores acharam uma saída, aceita pelo Judiciário, para recuperar valores devidos por empresas extintas. Trata-se da chamada “sucessão processual do sócio”. A tese aplica, por analogia, dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) que responsabilizam os herdeiros pelas dívidas deixadas pelos parentes mortos.
Há decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e também do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tese. Os acórdãos levam em consideração o artigo 110 e o inciso II do artigo 779 do CPC .
A tese ganhou importância em meio à pandemia, com o fechamento de negócios. No ano passado, 120 mil empresas encerraram as atividades somente no Estado de São Paulo, segundo a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). De 2018 para cá, 521,5 mil empresas foram extintas — neste ano foram 62,5 mil.
Trata-se, afirma o advogado Luis Cascaldi, de um caminho mais simples para recuperar dívidas de empresas extintas. Os sócios, acrescenta, não precisam preencher os requisitos da chamada desconsideração da personalidade jurídica — desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
“No caso da sucessão, apenas é preciso demonstrar que a empresa foi extinta, comprovar quem eram os sócios”, diz. “A única limitação é que, da mesma forma que os herdeiros respondem até o valor recebido de herança, os sócios respondem até o limite do patrimônio que retornou quando a empresa foi extinta.”
Um dos casos julgados pelo TJSP envolve uma empresa de empreendimentos imobiliários encerrada em setembro de 2020. Em março, a 33ª Câmara de Direito Privado aceitou, por unanimidade, o pedido de um credor, uma marcenaria que era fornecedora da companhia, para redirecionar a cobrança a sócios. Da decisão não cabe mais recurso.
Em seu voto, o relator, desembargador Luiz Eurico, afirma que, “dissolvida a empresa executada, considera-se que houve a extinção da pessoa jurídica devedora, autorizando-se, assim, reconhecer a ocorrência da sucessão processual dos sócios em relação ao acervo patrimonial da entidade encerrada, conforme dispõe os artigos 110 e 779, II, do Código de Processo Civil” (processo nº 2008757-80.2022.8.26.0000).
Outra decisão nesse sentido foi proferida pela 22ª Câmara de Direito Privado do TJSP. O processo foi ajuizado por uma concessionária de caminhões contra sócios de uma empresa de logística e transportes. Em seu voto, o relator, desembargador Roberto Mac Cracken, entendeu pela não necessidade de instauração do chamado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, “tendo em vista o mesmo efeito prático final” (processo nº 2150408-37.2021.8.26.0000).
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) também conseguiu, com a tese, receber os direitos autorais devidos por um motel. A decisão é da 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 2145773-13.2021.8.26.0000).
Segundo o relator, desembargador Fábio Podestá, pode-se aplicar por analogia o artigo 110 do CPC, que trata da responsabilidade de herdeiros por dívidas em caso de morte. Ele cita no acórdão precedentes do TJSP (processo nº 2186539-79.2019.8.26.0000) e do STJ (Resp 1652592).
Esse caso do STJ foi analisado pela 3ª Turma. Os ministros garantiram a responsabilização dos sócios por dívida de uma pequena empresa de locação de equipamentos médicos com uma empresa de assessoria em informática. O processo foi julgado em 2018 e não cabe mais recurso (transitou em julgado).
De acordo com o relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, como o direito discutido na ação tem natureza patrimonial, é possível a sua transmissão e, dessa forma, a sucessão do autor originário por aqueles que eram titulares do patrimônio da pessoa jurídica extinta (como os ex-sócios).
Em outro caso julgado pela mesma 3ª Turma do STJ, o relator, ministro Marco Aurélio Belizze, destaca na decisão que o deferimento da sucessão depende intrinsecamente “da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre os sócios” (Resp 1784032).
A advogada Maria Tereza Tedde, considera as decisões acertadas. Mas reforça que, nos casos de sucessão, os sócios não respondem com seus bens, apenas com os bens da empresa extinta. “Não há responsabilização da dívida com patrimônio individual”, diz.
A tese, afirma, envolve casos em que as empresas encerraram suas atividades e devolveram patrimônio aos sócios. A cobrança, acrescenta, vai até o limite do valor recebido. “Caso a dívida seja superior, é preciso entrar com o pedido de desconsideração da personalidade jurídica. E então, precisaria preencher os requisitos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.”
Para o advogado Luis Cascaldi, esse caminho seria mais complicado. “Tem que demostrar que houve abuso da personalidade jurídica. Ou seja, que o sócio pagava a escola dos filhos, a empregada, as contas da sua casa, por exemplo, com o dinheiro da empresa, sem fazer uma distinção”, diz.
Já na opinião da advogada Aline Braghini, “infelizmente a regra da autonomia da personalidade da pessoa jurídica é cada vez mais desrespeitada pelos tribunais, trazendo insegurança jurídica, desestimulando o empreendedor e a geração de negócios no Brasil”.
O sócio, afirma, deveria ser responsabilizado única e exclusivamente na hipótese prevista no artigo 50 do Código Civil — ou seja, em caso de abuso da personalidade jurídica. “Importante lembrar que a personalidade da sociedade não se confunde com a dos sócios e o fato da extinção por si só não autoriza o redirecionamento.”
Fonte: site Lopes & Castelo